quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O desconforto e os três monstrinhos



Geralmente começa com a detecção do desajustamento dos braços e das mãos que perderam sua normal. Eles podem ser dispostos no colo do objeto aqui percebido, no encosto da cadeira onde ele se encontra ou segurando um cigarro que foi aceso na tentativa de dar novo sentido ao que se tornara completamente e absurdamente estranho, de repente. O cigarro, por sua vez quando acaba não pode ser substituído por um novo, dado que agora a garganta se tornara seca em detrimento de tragadas intensamente carregadas do desespero do corpo desajustado procurando ser sanado do tal objeto referido. A fala, agora acometida pela secura da garganta, começa a ter sua necessidade repensada e a espontaneidade que já ameaçada agora por completo já se fora. Todo o fluxo de movimento e existência está totalmente permeado pelo raciocínio paranoide insustentavelmente dominador.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Santidades



Os cara vira lenda. Me poupa! Faz um monte de merda, acerta uma ou outra. Dá um sorriso aqui e uma esmola ali. Dá uma surra pedagógica vez em nunca, nas outras só apanha e corre. Apanha e corre. Daí um dia não consegue correr o suficiente e morre.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Consciência

Eu achei que ia morrer. Deitei o corpo com as costas eretas, pressionei os dedos das mãos uns contra os outros, fechei os olhos e comecei a ter meus últimos pensamentos. Patético. Pensei desde a rosquinha que deixei aberta amolecendo na mesa da cozinha até a minha primeira memória constrangedora da infância. Quando corri contra uma porta de vidro recém-instalada na saída do banco, caí e pude ver minha família rindo desesperada e discretamente. Eu achava que seria mais poético. Não me entenda mal, não é como se eu esperasse trombetas angelicais e a marcha dos bons vindo me carregar, mas com certeza não esperava aquele mais do mesmo. Quero dizer, era igual a quando eu ia dormir, só que com muito mais expectativa e muito menos realização. Afinal, sem querer quebrar com o suspense, mas todos nós sabemos que não morri, dado que aqui estou a contar-lhes frustrante experiência.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Outro Romance

João pediu Maria em namoro. Eles estavam na mesa do restaurante, ambos absortos não no arroz-com-feijão e espaguete, mas na profundidade agora perceptivelmente imensurável da maçã dos olhos um do outro. Esqueceram-se tanto do alimento que levam do prato à boca (a fome é de garfo e faca, não somente de comida) quanto do fato de que a admiração e as borboletas que sentem na barriga não são fruto de todo o outro que ali, à sua frente, embasbacante e também embasbacado, está. O outro é tão-somente o que se vê a partir de si. A partir dos teus olhos que apreendem em câmara invertida e do teu cérebro que processa e manda os choques elétricos para o estômago, que insiste em remexer-se a cada engolida barulhenta da glote.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

de Santo Agostinho.

A esperança tem duas lindas filhas
Raiva e Coragem.

Raiva do estado das coisas
e Coragem para mudá-las.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Demônios

Quando pequeno, eu tinha medo de monstros. Hesitava quando no escuro, amedrontado pela prospecção do encontro com aquela não-figura que tomava todo o para-além de mim, ali, nos escuros, nos desconhecidos, nos não-espaços. Era aquela besta descontrolada que a qualquer momento, imprevisível, poderia vir a encontrar-se comigo, e isso eriçava cada fino pêlo quase translúcido do meu jovem corpo.

sábado, 15 de junho de 2013

Cansamento (ou O Conto do Boto e da Para Sempre Donzela).

Há tempos que eu ensaio esta postagem. A ideia de anonimato meio que se perdeu nesse lugar e eu tenho medo de quem pode ver-me frágil desta forma. Mais uma vez.
No dia-a-dia eu me apresento (me apresento? sinto-me) cada vez menor e menor e menor. E meu pescoço puxa os músculos toda vez que levanto os olhos e arrisco deixar ereta a postura. Não consigo sentir-me confortável na presença de desconhecidos e a vontade de beber e me drogar é grande. Me drogar muito. Deitar na cama do surreal e viajar por campos para-além-mar.
Para meu azar minha loucura é contida. E eu não o faço pois não tenho coragem, pois não encontro lugar onde me sinta confortável suficiente ou desconfortável suficiente para tal procedência...
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sábado, 25 de maio de 2013

As mulheres da América do Sul ou Marcella.

O voluptuoso é assim mesmo. Cheio dos teus mistérios escondidos em dobrinhas e curvas acentuadas.
Como numa pista sinuosa, o perigo é a emocionante motivante dos passos para frente. Veloz ou vagarosamente, explorá-lo é tarefa gostosa e singular, correndo os dedos singelamente, ou movendo todo teu corpo a galopadas intensas.
O voluptuoso é extra ao ordinário, sem deixar de ser aquilo que mais se nega ser, que é ele mesmo. As curvas do rio assim o são pois do rio são, assim como as dobras da carne só se dobram pois têm (e são) carne. Como podemos viver negando o que é justamente por ser muito de si mesmo?
Prefiro o voluptuoso ao vazio. Os caminhos curvilíneos às linhas claras. Os sorrisos aos cabelos. As mulheres-mulheres (extra de si mesmas) às mulheres-imagem (estéticas da negação).

(Olhando as fotos do The Nu Project...)

terça-feira, 16 de abril de 2013

Aquele retrato que eu nunca consegui fazer.



némesis
(grego némesis, -eos, retribuição, ira devido a injustiça)
s. f.
1. Deusa da vingança. (Com inicial maiúscula.)
2. Acção de retaliação ou de vingança.
3. Pessoa que se vinga ou quer vingança.
4. Adversário ou obstáculo difícil de derrotar.




Ps. Confesso a leve trapaceada. Pintura digital não é, realmente, desenho.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

1.504

-Você pega esse ônibus todo dia?
Uma mão recosta sobre meu ombro direito. Dedos esguios e uma jóia no anelar. Cor de bronze. Da mão, não da jóia.
Balbuciei neandertalmente que sim.
-Demora sempre tudo isso?

O que você quer eu não posso te dar.

Conto de Ponto

Um velho acena-me. Homem. Velho.
Poderia descrevê-lo a vocês. Vestes, feição, trejeito, se canhoto ou destro. É, aprendi a prestar atenção nestes detalhes. Mundo vil hoje esse que vivemos, vil e seco, olho pintas, cicatrizes, cor e marca de vestimenta. Vai que ele me assalta, me seqüestra, ou pior, pergunta-me se vou bem. Dirijo a noite e por vias macabras. São as que mais me dão grana. E de onde tiro clientes menos afetivos, assim corro menos risco de precisar falar que acho dos flanelinhas e trombadinhas vagabundos que enfiam suas mãos sujas pra dentro do meu vidro que já tá limpo, porra! Não sei como nunca vêem, aquelas pragas.
(e suas mães putas que dão tanto que párem em ninhada. Daí largam tudo nas ruas pra trazer dinheiro "pra cumê". Só se "cumê" for gíria de pobre pra se picar. Tudo sempre igual!)

terça-feira, 26 de março de 2013

"A identidade é um algo de muito complexo"

Quando eu me propus a discutir gênero, sexualidade e identidade, no Encontro Nacional Estudantil da Diversidade Sexual (na UFRRJ, em novembro), eu não esperava que aquilo fosse me afetar como me afetou.
A gente percebe o quanto vai criando identidades, laços de identificação com o(s) outro(s), e nem percebe a criatura de Frankenstein que vamos nos tornando. Que emprestamos partes de todos esses outros corpos e todas estas outras marcas exteriores à nós e vamos encaixando nas nossas lacunas. Quase como aquele joguinho de lógica para infantos: um buraco quadrado, outro redondo e outro em estrela - parece quase irresistível forçar o quadrado no redondo para dizer que se encaixam e compõem os diferentes também.

domingo, 10 de março de 2013

Roma, Milão, Paris, México, e Iguaçu

Romance
Com você. Inexperiente romance.
Comecemos com o tom de Morrisey, em quatro-por-quatro. Sem saber tanto daquela flauta que surge firme e melódica.
Áspero romance, com você. Desmistificar
Com você.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Meninice

Sái cuspindo palavras, seu cabelo desgrenhado, o portunhol importunando.

São cinco as tuas.

1. MAU
ROubo (Pouco)
ROço (Louco)
ROuco (Ronco)
ROto (Outro)

2. M.
Range, Mau.
Roço pernas e
braços, e socos e
chutes.
Ranjo socos e
Mal roço pernas.
Mau, rouco de
bocas e bom
de olhos.
MAU de olhos e
ROuco de bocas.

Olhos e
bocas,
Pernas e
Braços.
(Mal e) Mau (e)
Rouco.
Roço e
Ranjo.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Coletânea de(s)ser( )vida.

leva um tempo pra nos desprender da concepção figurativa do mundo. leva um tempo pra aprender a nos desapegar da rede simbólica que nos domina e que estrutura a cultura e a civilização. e em troca de tudo isto é possível alcançar um lugar onde não se pode mais macular a experiência estética com a palavra. resta-nos o silêncio. [...]
- lmaitan

Ruidosamente (silencioso)

Aqui estou. Partilho do meu silêncio. Estamos nós, em silêncio.
Estou e está aqui. Estamos. Partilhamos.
Colocamo-nos, no entanto, em silêncio. ( Nó em tanto silêncio). Estamos postos, ali estamos. Aqui. Estamos e permanecemos.