segunda-feira, 15 de abril de 2013

Conto de Ponto

Um velho acena-me. Homem. Velho.
Poderia descrevê-lo a vocês. Vestes, feição, trejeito, se canhoto ou destro. É, aprendi a prestar atenção nestes detalhes. Mundo vil hoje esse que vivemos, vil e seco, olho pintas, cicatrizes, cor e marca de vestimenta. Vai que ele me assalta, me seqüestra, ou pior, pergunta-me se vou bem. Dirijo a noite e por vias macabras. São as que mais me dão grana. E de onde tiro clientes menos afetivos, assim corro menos risco de precisar falar que acho dos flanelinhas e trombadinhas vagabundos que enfiam suas mãos sujas pra dentro do meu vidro que já tá limpo, porra! Não sei como nunca vêem, aquelas pragas.
(e suas mães putas que dão tanto que párem em ninhada. Daí largam tudo nas ruas pra trazer dinheiro "pra cumê". Só se "cumê" for gíria de pobre pra se picar. Tudo sempre igual!)

Daí aquele dia, puto dia... Acenou-me o velho e antes eu tivesse passado reto. Odeio velhos. Fétidos... E sempre querem os centavos certos de troco, daquelas notas suadas que tiram de seus bolsos criolinados. Tive dó, velho decrépito todo cambaleante. Devia ter gozado alguns momentos antes naquele puteiro bonito na Rua Quinze e eles o enxotaram logo, porque velho gozado não é bom pra imagem de puteiro fino. Mesmo se um velho endinheirado. Mesmo endinheirado, velho é raça podre. Não tem grana que disfarce tempo perdido, eu acho.
(quero morrer antes de ficar velho, amargo louco, fardo.)
Precisei descer do carro para abrir-lhe a porta. Quis ir no banco da frente, disse que era mania. Mania de velho tem que respeitar, né? Pelo menos de velho pagante. Preciso dizer a vocês, eu odeio velhos, mas gosto do seu dinheiro. Não me levem a mal, não sou de todo ruim, olha só; Também gosto de imaginar pr’onde estou levando-os, de onde vêem, porque vão-se, especialmente daquelas ruas sombrias àquelas horas. Na minha cabeça, sempre boas histórias, ah! Se aqueles degenerados todos soubessem o que se passa aqui na caixola fértil que tenho... Acho que se ofenderiam. Foda-se. Fodam-nos.
Enfim assentado o velho homem perguntei-lhe o destino. Péssima pergunta. Velho gosta de viajar na batatinha. Poderia contar-lhes o que ficou a me dizer tanto tempo enquanto dirigia sem destino, girando o taxímetro, mas vou poupar-lhes porque a essa hora eu já queria era socar-lhe a fuça e que se foda sua grana criolenta, nada paga meu tempo perdido. Mas sou homem de bons modos e deixei-o falando suas asneiras até que se lembrasse de que tava numa porra dum táxi indo pr’algum lugar que não sua memória de merda e seu passado – dis e re – torcido. Daí me disse pra seguir norte. Chavão, já sabia que ia me tomar a noite toda, maldita hora em que parei. Eu devia confiar mais nos meus instintos, e meus instintos ignorados disseram-me para não parar pra decrépitos em ruas obscuras em além-horas... Levei o velho puto por quilômetros, e já estava até conseguindo esquecer o quanto eu odiava-o e a todos de seu tipo. O taxímetro marcava o tanto que tirava no meu melhor mês, e ainda era dia 05, eu tava quase saltitando alegremente todo viadinho, não fossem as historietas anacrônicas balbuciadas sem parar. Nem desconfiei. Bolso nenhum carregava tudo aquilo de dinheiro e eu não aceitava cheques desde aquela vez que uma puta gostosa de batom roxo me deixou de saco doendo e me sacaneou todo.
Daí já tinha se passado horas e o velho lembrou-se de voltar pro mundo real, enquanto eu pensava o que faria se ele me sacaneasse também. Pensei de um cuecão pela memória da minha infância, só pra acompanhar aquela nostalgia toda do caralho do velho, até numa apagada e cova cavada na beira daquela estrada, mas ainda cogitava se valia a canseira, considerando que eu teria mais um monte de horas de caminho de volta, e a gasolina, e o motel pra descansar os olhos e... Bom. Tendo voltado, o velho me pediu para parar para mijar (pa-pa-pa-para-pa-ô), parei logo no primeiro posto, não queria que ele se mijasse uma gota sequer no meu carro, ou íamos feder incontinência azeda por mais tempo que gostaria (que é zero, hei de destacar caso não seja óbvio), abastecia o tanque e vi tua arma na cintura das calças, enquanto saía do carro. (...)

Nenhum comentário: