segunda-feira, 15 de abril de 2013

1.504

-Você pega esse ônibus todo dia?
Uma mão recosta sobre meu ombro direito. Dedos esguios e uma jóia no anelar. Cor de bronze. Da mão, não da jóia.
Balbuciei neandertalmente que sim.
-Demora sempre tudo isso?
Quis mentir que não, para que pelo menos mais amanhã visse-a novamente. Quem sabe, talvez, num outro mundo que se abriria ao amanhecer e eu não fosse um homem das cavernas que gagueja dementemente apaixonada, eu conseguiria dizer-lhe que me encantara e tomaríamos um café na padaria da esquina, ambas abandonando nossos compromissos e então dormiríamos juntas na minha casa, e no dia seguinte eu a acordaria na hora de partirmos para nossos compromissos novamente, mas a quem estaríamos enganando?! Depois de bebermos meu forte-demais café, voltaríamos para debaixo dos já nossos lençóis impregnados do teu cheiro, e quando nos déssemos conta já teria se passado tempo demais para não nos denominarmos nós, e de domingo teríamos almoço na casa dos seus pais... Quem sabe?
Estalei a língua no céu da boca e senti o gosto doce do delírio, e quando olhei estava dizendo-lhe para pegar outro ônibus em outro ponto que não o mesmo que o meu e então lá estava a velha eu me sabotando de novo, arremessando longe com uma talentosa bica aquele futuro outro delirado.
Dei uma última olhada praquelas mãos delicadas enquanto gesticulavam qualquer geografia urbana para pensarmos no trajeto distante de mim e vi-a partir para nunca mais, descendo os enormes três degraus à porta do ônibus em direção à vida real, enquanto me deixo imersa em fantasias de eu-e-você.

Nenhum comentário: