sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas IX

IX.Saudade é uma palavra brasileira

Nos separamos. Peguei um avião, deitei sobre suas asas, descansei-me de tudo. Passei semanas maturando-me à cama, de pernas para cima e cabeça para baixo, e girando e contornando e contorcendo-me.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas VIII

VIII. O que ela só sabe ser
Eu já disse o quão bonita ela é. Poderia dar detalhes estéticos apurados e analisar a forma como ela aparece no mundo; seus trejeitos, a forma como anda, senta, move-se, a maneira como tem em seus cabelos loiros e repicados por minhas mãos, em ondulações alucinantes, toda sua feminilidade freudiana, o jeito que geme quando se espreguiça e o som de sua voz quando se propõe a pedir que faças algo por ela. Não chegaria a ilustrá-la de forma minimamente justa.
Sua mãe contava-lhe uma fábula sobre duas borboletas. Uma era amarelinha e pálida, frustrada em sua aparência franzina. A outra, ah! A outra era duma gama de cores extravagante, frascária, digna da fascinação de qualquer um que em sua presença.
Gabava-se a borboleta colorida à amarela, que se via farta de inveja e auto-comiseração de toda a sua ordinedariedade perante a borboleta estrambótica.
Então um dia parece uma lagartixa faminta e, enxergando somente a borboleta colorida, abocanha-lhe a vida num golpe, encerrando toda sua estróina existência, deixando de lado, ali, imperceptível, a borboletinha de cor tão vulgar.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas VII

VII. FÓÓÓN, "Parabéns! Viva! Viva você!" FÓÓÓN!
Essa sou eu, assoprando num tipo de corneta amarelo e verde, largada ali pelas torcidas nos malditos jogos da Copa.
É a primeira vez que eu encosto a boca nessa buzina infernal, e é para infernizá-la. Agora já não me é certo a razão primordial de meu ataque infantóide; se foi depois que ela me disse que o chip de celular q usávamos pertence a ela graças à sua capacidade de ser folgada, como eu apontara minutos antes, ou se em detrimento do ataque frontal direto que me desferiu, à sua vez, dizendo-me que o que ela havia conseguido não era fruto do "dinheiro de papai e mamãe", como seria comigo.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas VI

VI. A Máscara no espelho

Enquanto lavo minha louça suja, penso que há outras louças a serem lavadas, dentro da pia, desde a última vez que eu lavei a minha louça suja e as outras que lá já jaziam. Já.
Daí eu penso se vou lavá-las ou não, além de minha. Penso, novamente, desta vez sobre a razão de os causadores antecessores desta que se a mim apresenta não pensarem como eu, quando vão desfazer-se de suas louças.
Daí penso qual é o problema deles, de não pensarem como eu penso. Sobre as nossas louças sujas e outras tantas coisas mais.
Só que daí, não cessando de pensar, outra vez penso, e desta vez eu me calo por alguns instantes; será se o problema nas pessoas não pensarem como eu não seria,  pensando melhor, um problema meu, justamente porque eu não penso como elas pensam?
Ao fim deste vago pensar, acabo a louça suja, minha e de outros, pela provavelmente septuagésima vez, só hoje.