sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas IX

IX.Saudade é uma palavra brasileira

Nos separamos. Peguei um avião, deitei sobre suas asas, descansei-me de tudo. Passei semanas maturando-me à cama, de pernas para cima e cabeça para baixo, e girando e contornando e contorcendo-me.

Cheguei ao terreno que chamava de lar e os vi clara e até diametralmente afastados, o lar e o terreno, isto é. O tempo que passou em mim passou diferente por ali. Somos e não somos mais os mesmos, podemos e não podemos banhar-nos uns nos outros, mais. Perdi-me entre o passado e o presente.
Contemplei o passado como quem contempla um quadro na parede. Olhava o quadro, putativo, sem me aperceber que só me gerava dissabores; não quis mais, e quis. Fugi, e então voltei. E o tempo passou. As folhas das árvores secavam e caíam e novas folhinhas verdes inocentes e puras surgiam para beber de novos tradicionais orvalhos da roda da Vida, essa com v maiúsculo.
Baixada a poeira, meu pé ainda doendo, em indulgente recuperação (eu desejava), sentia ansiedade e tristeza.
Ela permanecera viajando pelo tempo q eu recuperava e, a cada dia fui sentindo mais sua falta. Dissera-me que havia se apaixonado, trabalhado e aprendido, em nossa separação,  o que me fizera convencer-me, em minha auto comiseração já conhecida, de que se havia um problema central que explicasse nossos problemas menores, àquele tempo, esse problema sou eu.
Percebo-me procurando cada vez mais nos outros a satisfação que não sinto (sem me perguntar se jamais senti-a, a bem da verdade), e qual não posso mais procurar na cocaína, pulando entre rostos afetivos, abraços que fazem o coração acalentar, bater mais forte, ou então, que nada fazem mesmo, a não ser serem abraços e sorrisos saudosos e outros mentirosos.
Eu sinto coisas que havia me esquecido de como eram, quando viajando com ela. E me permiti nomear essa melancolia de saudade. Saudade. Que não é um sentimento nomeado em espanhol. Que é a língua que falaríamos se tivéssemos conseguido seguir viajando. Que era o que eu queria fazer e optei por fazer com ela. Ela, com quem achei que poderia viver todas as horas de todos os meus dias, por período indeterminado. Período que foi determinado quando já não sabíamos como ser uma para a outra...
Contemplo novamente o maldito quadro na parede.
Me sinto faltando. Sei que não é só a gente. Sei que não era só ela. O problema é que não sei onde encontrar o que me falta, e acho que me lembro de não ter sentido falta de nada, viajando, com ela. Não é ela quem suprirá essa falta. Nem a viagem. Nem nenhum território ou rosto, conhecido ou não. O que não vai suprir o que me falta é fácil de saber, mas o que eu quero saber é onde encontrar. De que maneira me bastar, e quem sabe transbordar. Mesmo que seja loucura, não há mal em transbordar nada. O problema mesmo é faltar muito.

Nos separamos, e eu preciso pontuar isto. Eu e ela. Houve um ponto de ruptura que não se preencherá de transbordo nenhum, talvez. Muito menos de falta, disso eu sei bem.

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