sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas V

V. Toda unidade é narrativa!


Estou fazendo planos para ir embora. Converso com a flor que nos recebeu e nos permitiu enlaçar-nos junto a ela. Ela está para se dar um tempo com seu esposo, homem-macho-protetor-de-familia-"honra-e-tradição". É primo do afamado "gatinho" dela.
Antes, ela iria comigo à cidade onde pegarei o avião e onde o casal por se desfazer da flor com o macho moram.
Agora, pergunto a ela se ela está decidida de alguma coisa. Comprei minha passagem e estou a combinar o transporte entre as cidades. Quero saber se a incluo. Ela me olha com aqueles olhos odiosos - ou odiáveis, já não sei se o que olho, somente vejo porque olho - sem vida, que só podem ser expressos nela. N'outra pessoa indicaria, mesmo, um desfalecimento total, mas nela, é apenas característica de sua natureza enfadonha, fastidiosa.
Então ela me direciona aqueles olhos funestos e me responde, depois de um longo silêncio, "por quê?", e esse teatro todo birrento me dá nos nervos mesmo e eu entendo aqueles ex namorados e ex amigos cujos fins de relacionamento com ela, ela me disse, aconteceram com  destribeirados ansiosos por violência, dizendo-lhe que era louca e outros adjetivos similares.
Eu olho-a pelo seu reflexo na janela enquanto lavo a louça. Não sei se é uma premonição ou somente o meu desejo se realizando numa realidade refletida, mas vejo-me pegando seu prato recém-servido de comida - comida que eu fiz e bom grado sendo comida por quem está de mal-grado para comigo - e arremessando-lhe na parede, esparramando-se estridentemente, atirando pequenos cacos mortais pelo cômodo inteiro. Deixando-a com um sem número de emoções.
Morta. É isso que ela é. Como um casulo lindo de borboleta, mas vazio. Ela é tão bonita que é feia, terrivelmente feia. E, diferente do conto de branca de neve ou bela adormecida, não há amor que traga-lhe de volta a vida.
É como uma caixa de Pandora, que carrega um buraco-negro; ela me permite que abra-a e veja o que dentro contém. E pode ser que eu veja nada. Mas depois de aberta a caixa, não se pode evitar que o buraco-negro passe a engolir, consumir, destruir tudo a sua volta. A começar por mim.
Eu não quero ser destruída. Mal me construí!

Nenhum comentário: