sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Cartas Lânguidas VI

VI. A Máscara no espelho

Enquanto lavo minha louça suja, penso que há outras louças a serem lavadas, dentro da pia, desde a última vez que eu lavei a minha louça suja e as outras que lá já jaziam. Já.
Daí eu penso se vou lavá-las ou não, além de minha. Penso, novamente, desta vez sobre a razão de os causadores antecessores desta que se a mim apresenta não pensarem como eu, quando vão desfazer-se de suas louças.
Daí penso qual é o problema deles, de não pensarem como eu penso. Sobre as nossas louças sujas e outras tantas coisas mais.
Só que daí, não cessando de pensar, outra vez penso, e desta vez eu me calo por alguns instantes; será se o problema nas pessoas não pensarem como eu não seria,  pensando melhor, um problema meu, justamente porque eu não penso como elas pensam?
Ao fim deste vago pensar, acabo a louça suja, minha e de outros, pela provavelmente septuagésima vez, só hoje.

À noite, a mesma saga se apresenta e eu, cansada e decidida, me dou ao luxo de olhar a louça suja por outrem na pia e somente agraciá-com meu prato oleoso no topo, como a cereja que finaliza a decoração do doce. "Amanhã eu lavo", penso comigo mesma, cheia de culpa cristã.
Eis que o dia seguinte chega e a louça, como nada fantástico, da mesma maneira ali permanece.
Sirvo-me dum café que está pronto por outras mãos como não ficava fazia muitos dias e vou bebericá-lo entre tragos ao sol da bela manhã que hoje faz. Eu a vejo em frente à pia.

Quando indo lavar minha caneca, vejo, ali, mais cômica do que nunca, a minha cereja de bolo de ontem! A criatura fez questão de deixar um prato e uma frigideira, como uma provocação (que deveria ser o quê?! Mortal? Sei lá o que se passa na cabeça dessa menina, nem quero tentar saber mais). Lavo-os, junto de minha caneca e outro copo de qualquer coisa e qualquer pessoa, dizendo a mim mesma provocações desnecessárias que poderia retornar a ela, algo como um entojado "ah! Que sofreguidão! Minhas mãos estão prestes a cair, deste trabalho!", entre risadinhas cínicas, numa cumplicidade silenciosa minha comigo mesma.

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