Do "Analista de Bagé"... Muito bom (:
Chamava-se Odacir e desde pequeno, desde que começara a falar, demonstrara uma estranha peculiaridade. Odcir falava como se escreve. Sua primeira palavra não foi apenas "Gugu". Foi:
- Gu, hífen, gu...
Os pais se entreolharam, atônitos. O menino era um fenômeno. O pediatra não podia explicar o que era aquilo. Apenas levantou uma dúvida.
- Nao tenho certeza que "gugu" se escreve com hífen. Acho que é uma palavra só, como todas as expressões desse tipo. "Dadá", etc.
-Da, hífen, dá - disse o bebê, como que para liqüidar com todas as dúvidas.
Um dia, a mãe veio correndo. ouvira, do berço, o Odacir chamando:
- Mama sfot poc.
E, quando ela chegou perto:
-Mama sfotoim poc.
Só depois de muito tempo os pais se deram conta. "Sfot poc" era ponto de exclamação e "sfotoim poc", ponto de interrogação.
Na escola, tentaram corrigir o menino.
- Odacir!
- Presente sfot poc.
- Vá para a sala da diretora!
- Mas o que foi que eu fiz sfotoim poc.
Com o tempo e as leituras, Odacir foi enriwuecendo seu repertório de sons. Quando citava um trecho literário, começava e terminava a citação com "spt, spt". Eram as aspas. Aliás, não dizia nada sem antes prefaciar com um "zit". Era o travessão. Foi para a sua primeira namorada que ele disse certa vez, maravilhado com a própria descoberta:
- Zit Marilda plic (vírgula) você já se deu conta que a gente sempre fala diálogo sfotoim poc.
- O quê?
- Zit nós sfot poc. Tudo o que a gente diz é diálogo sfot poc.
- Olhe Odacir. Você tem que parar de falar desse jeito. Eu gosto de você, mas o pessoal fala que você é meio biruta.
- Zit spt spt biruta spt spt sfotoim poc.
- Viu só? Você não pára de fazer esses ruídos. Ee ainda por cima, quando diz "sfotoim", cospe no meu olho.
O namoro acabou. Odacir aceitou o fato filosoficamente, aproveitando para citar o poeta.
- Zit spt spt. Que seja eterno enquanto dure poc poc poc spt spt.
Poc, poc, poc eram as reticências.
Odacir era fascinado por palavras. tornou-se orados da sua turma e Até hoje seu discurso de formatura (em Letras) é lembrado na faculdade. Como os seus colegas conheciam os hábitos de Odacir mas os pais e os convidados não, cada novo som do Odacir era interpretado, aos cochichos, na platéia:
- Zit meu senhores e minhas senhoras poc poc;
- Poc, poc?
- Dois pontos.
- Que rapaz estranho...
- A senhora ainda não viu nada...
Quando lia um texto mais intenso, Ocadi acompanhava a leitura com o corpo. As pessoas viam, literalmente, o Odacir muda de parágrafo.
- Mas ele parece que está diminuindo de tamanho!
- Não, não. É que a cada novo parágrafo ele se abaixa um pouco.
Quando chegava ao fim de uma folha, Odacir estava quase no chão. Levantava-se para começar a ler a folha seguinte.
(...)
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