sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Cartas Lânguidas II

II. "Conhece-te a ti mesmo, que eu me conheço bem; sou um qualquer vulgar, bem, às vezes me esqueço".

Tem um tipo de gente cujo estado permanente é triste. Que pode passar a vida em desmedidos esforços para afugentar a tristeza. Cantam, dançam, rezam (estes são muitos), casam (outros tantos. Ainda bem que inventaram o divórcio), cheiram, etc. Temos uns que fazem tudo, pulando de uma solução instantânea fugaz a outra. Não é a toa que fulgor e fugaz são tão próximos...
Para quem gosta de "tipo de gente", eu sou uma dessas. Em dias bons ou ruins, acendo um cigarro, pouso-o para pegar um café, vejo um bolo e me divido entre vontades, ligo o som, ouço uma frase que me cativa, elaboro uma ideia, quero escrevê-la, mas estou fumando um cigarro e segurando um bolo e um café,  e nada disso é tão legal quanto outra coisa que eu poderia estar e que não estou fazendo agora, como olhar o céu ou pintar uma musa ou pular do precipício.
Estou dizendo isso com razão: faz dois meses e alguns dias que viajamos, e o estado perene não é,  exatamente, perene. É com esforço que consigo parar e apenas sentir-me bem com o mundo. E tantas vezes pude. E fora delicioso!
Porém, para ela parece mais difícil. Na verdade, ela faz tudo parecer difícil. E como isso me irrita. Não porque lhe é difícil, mas porque me fica a impressão que ela não quer que deixe de ser difícil. Não sei se para permanecer em sofrimento, teu também estado perene, ou se por não querer se esforçar para que deixe de ser-lhe difícil.
Ela me diz que até seus melhores amigos perdem a paciência com ela, dando-lhe argumentos como "você é muito do seu jeito". Me pergunta o que quer dizer esse tal jeito, que é tão diferente e irritante. Me passa um tufão de sugestões à mente. Rapidamente se emaranha ao tentar virar palavras e escapa. Consegui agarrar uma ou outra coisa, com algum esforço juntei os pedacinhos e tentei explicar-lhe o que me passa sobre seu jeito.
Ao longo do dia vou tentando enumerá-los. Um exercício ao mesmo tempo desagradavelmente sádico e satisfatoriamente amadurecedor para ambas. Para mim, elaborar os seus monstros terríveis que tanto me atormentam inesperadamente. Para ela, saber sobre isso que tem e é e que tanto desagrada os que ela aparentemente não quer desagradar. Percebo que, para ambos os propósitos, o exercício está ineficiente. Paro, apesar de ter mais alguns exemplos se mostrando a mim vez ou outra.
Não os guardo, o que seria um movimento saudável, não fosse o rancor posteriormente infundado que fica resquicioso.

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