domingo, 9 de dezembro de 2012

Você tem fome de quê?

Eu me via com fome de alguma coisa que ainda não havia comido. Tinha a leve impressão de que, de alguma forma, sabia que poderia vir a encontrar o que a saciasse.
Só não sabia o que era essa tal coisa, que gosto tinha, do que era feita, onde podia encontrá-la. Também não a procurava.
Então você apareceu com algo pronto que eu não conhecia muito bem em mãos e me disse: "Aqui está o alimento que saciará sua fome.". Não nos enganemos, acredito que você tinha ótimas intenções. Você parecia querer saciar-me, e eu acreditei. Em você e nessa coisa que me dava de comer.

Acontece que ao passo que comia, a fome não saciava. A fome foi, ao contrário, ficando mais e mais evidente. Como se, antes de tentar saciá-la, eu quase nem a percebesse. Estava acostumada a viver com ela.
Mas então eu a percebi; E aquilo que me destes não servia.
E agora, que faço com  essa fome? Que fazemos?

Então fui lembrada da Canção do Remendo e do Casaco, do Brecht:
"Sempre que o nosso casaco se rasga
vocês vêm correndo dizer: assim não pode ser;
isso vai acabar, custe o que custar!
Cheios de fé vão aos senhores
enquanto nós, cheios de frio, aguardamos.
E ao voltar, sempre triunfantes,
nos mostram o que por nós conquistam:
Um pequeno remendo.
Ótimo, eis o remendo.
Mas onde está
o nosso casaco?
Sempre que nós gritamos de fome
vocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar,
é preciso ajudá-los, custe o que custar!
E cheios de ardor vão aos senhores
enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos.
E ao voltar, sempre triunfantes,
exibem a grande conquista:
um pedacinho de pão.
Que bom, este é o pedaço de pão,
mas onde está
o pão?
Não precisamos só do remendo,
precisamos o casaco inteiro.
Não precisamos de pedaços de pão,
precisamos de pão verdadeiro.
Não precisamos só do emprego,
toda a fábrica precisamos.
E mais o carvão.
E mais as minas.
O povo no poder.
É disso que precisamos.
Que tem vocês
a nos dar?
"

Você não pode chegar a mim com um pedaço de pão pronto, feito sem pensar nas minhas necessidades nutricionais, nas minhas preferências de sabor, textura, cor, tamanho, e esperarmos que ele me satisfará.
Percebe quão inocente é pensar isso?
Eu não posso achar que esse pedaço que me oferece me saciará, antes que eu perceba de quê é esta minha fome. Sem perceber o que preciso comer, o que prefiro comer. Só então poderemos saber se você tem os ingredientes necessários para tal. Se podemos, agora juntos, fazer o pão do jeito que preciso. Do jeito que precisamos.

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