segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Se o mundo não acabar.

Fico a ver, a todo final de ano, umas tantas promessas de mudanças e desejos de melhoras para um bloco separado de tempo que é o próximo ano. Como se alguma virada simbólica simbolizasse realmente algum... É, símbolo.

Resmungos à parte, eis que nos deparamos com o momento mágico da dupla mudança. "No ano que vem..." e "Se o mundo não acabar, eu...". É, maias que me mordam, o mundo pode acabar!
Esqueçam as listas de auto-enganação, os cartões com glitter vermelho e verde, as horríveis sementes de lichia e o arroz à grega com resquícios de pólvora de fogos de artifício e (não-tão)leves derramadas estratégicas de rum do copo da mamãe enquanto o cozinhava madrugada adentro. Enlouqueça numa festa na praia, beije o estranho da porta ao lado da sua, corra pelada mato adentro. O mundo vai acabar, esqueçamos os bons costumes e tudo o que nos reprimia. Peraí... O que nos reprimia?
Se o mundo não acabar, eu vou entrar na academia!, Vou conseguir terminar a faculdade. Vou para o Camboja e realizar meu sonho de ajudar as crianças pobre-pobrinhas.
Aparentemente as crianças pobre-pobrinhas daqui do lado de casa não são tão pobres assim pra merecerem minha ajuda. Ou talvez eu seja muito especial prá estar me sacrificando tanto. Devo ser um tipo de Messias moderno...
Se o mundo não acabar, vou amar como nunca amei. Beijar como nunca beijei. Não vou deixar que me julguem ou limitem. Eu quero é ser feliz, e essa segunda chance é a chance que preciso.

Se o mundo não acabar, eu vou acordar e olhar pela janela. Vou me espreguiçar e consultar o relógio, escrava que sou da máquina temporal.
Se não acabar, vou fazer meu café, bocejar e escolher minha roupa pra sair.
Vou olhar aquele short bom pro dia quente que será e a regata de tecido fino pra tolerar o suadouro. Vou arrumar minha bolsa com o que preciso para o dia: Caderno, livros, caneta, lápis de olho, lenço umedecido, spray de pimenta.
Vou tomar banho ouvindo ao rádio e cantando refrões desafinados ideológicos e românticos e, ao vestir a roupa boa pro calor, vou me olhar no espelho e pensar que ela está muito curta, muito exposta e que alguém, em algum momento e algum lugar desse dia não-tão-novo assim, vai mexer comigo e eu vou ter de estar preparada para lidar com aquilo.
Vou mudar de ideia e trocar de roupa. Vou vestir uma camiseta mais larga e aquela cara amarrada de poucos amigos. É melhor.
Se o mundo não acabar, eu vou desviar o olhar daquele cara embriagado em plenas 08am ali na beirada do canal, porque eu não tenho o que fazer por ele. Vou esperar o ônibus e mentir pro motorista que vou para São Paulo e descer na rodoviária de graça. Vou ser encoxada no corredor do ônibus, ser cortejada por algum idoso me achando graciosa e dormir até chegar na pracinha que é ponto final.
Se o mundo não acabar, tendo desviado do homem embriagado perto de casa, ignorado a encoxada no ônibus e sorrido pouco cordialmente, mentirosamente lisongeada, para o idoso simpático, homem de seu tempo, entrarei no Centro de Referência em Assistência Social onde estagio, e conversarei sobre as questões que permeiam a vida dura das pessoas do Radio Clube. Concederei auxílios, dareis risadas educadas, deixarei, com muito otimismo, um pouco de dúvida sobre uma ou outra certeza do mundo que, impressionantemente não acabou.
Se o mundo não acabar, com sorte, sairei com amigos e conseguirei dar sinceras risadas e abraços confortantes, embebidos por um pouco de produto de bar e de biqueira. Vou conseguir me sentir bem, esquecendo com certa facilidade o menino da plantação de cana e o engravatado que dá armas e drogas nas mãos de outros moleques sedentos e confusos.
Se o mundo não acabar, vou me cercar da minha bolha confortável. Vou tentar sobreviver. Com sorte mesmo, não vou deixar a encurralada no elevador me botar medo de voltar pra casa, nem vou querer bater na porta do vizinho com uma barra de ferro para empalá-lo, vingativamente. Vou lembrar do cara que limpa a minha privada ou serve minha comida, sem que resolva tirá-lo dali.
Se o mundo não acabar, nada terá acabado. Nada terá mudado. Nada será impossível de mudar, sei. Mas permanecerá cada vez mais triste de levar.

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