terça-feira, 18 de setembro de 2012

Sozinho

Chega do bar, na esquina de casa. Bebeu demais e tropeçou em um ou outro móvel ao qual ainda não está acostumando. A casa é nova, junto com seus cômodos e suas mesas e sofás e cama.
Aos cinzeiros, já se acostumou. Como bom pseudo-jovem-artista, que só fará sucesso da forma que não lhe dá prazer ou dinheiro (para consumir com os cigarros que fuma enquanto cria, já que é um pseudo-jovem-artista), os cinzeiros lhe convéem mais do que as poltronas ou abajures. A sala só acumula cinzas e poeira, e a decoração não lhe agrada, muito menos dá vontade de limpar ou pintar. Uma mancha de pé de uma criança-fantasma ali, uma batida de cadeira que não existe mais acolá. É assim que ele vê o passado presente. É assim que ele se convence de que não deve apagá-los dos recintos que não lhe pertencem.
Desculpas para se enfornar no quarto, em cima da cama, com seu caderno de folhas em branco no qual vira e revira algumas páginas de estórias que só lhe pertenceram quando bêbado num banco qualquer da praia.


Depois que olha e se convence de todos os motivos para atravessar sem diferença o cômodo que poderia receber visitas, senta-se em sua cama, base-forte de seu tesouro - não o sexo, quem dera fosse o sexo. Hoje, só teus lápis e canetas coloridos e fontes das únicas manchas que dialogam com seu sono em seus lençóis baratos. Joga as roupas com papéis agora (ou sempre) sem valor no chão ao lado, com um certo carinho que ele mesmo tenta disfarçar - já que, assim como as roupas, os papéis só vestiram uma vez, e agora servem para qualquer outra coisa lavável e dispensável, com as quais ele não quer lidar agora, bêbado de um papo qualquer num bar qualquer, com uma companhia qualquer, que não quis subir com ele, achando que sua cama não estaria cheia de roupas quaisquer e papéis também quaisquer (já deu pra entender) inúteis, mas feita e preparada para algo que nem ele mesmo estava preparado (apesar de ter pensado, nos primeiro minutos de conversa, logo antes dela começar a comentar sobre a eleição para prefeito, que aconteceria em algumas semanas naquela cidade onde ele não votava).
Joga o lençol por cima da cabeça para proteger da luz da rua, que evita o sono que é chamado, por sua vez, pelo cantar ululante do vento com ar, que adentra pela janela antes aberta. Janela que canta com o vento, ritmadamente, lençol que mostra essa e aquela mancha preta de nanquim de outra noite descuidada e bêbada de cenas jamais realizadas. Olha, vê, pensa, sente, ouve. Repensa, revê, ressente.

Toda sua vida ressentida passando sob suas pálpebras cansadas procurando o de. Descanso, desistência, desespero. Todos seus olhos voltados para todo o mundo para além dele coberto pelos seus lençóis manchados e seu sono chamando-o para o sonho que não consegue vir.
De olhos fechados permanece, tua vida repassando e recriando-se para dentro deles. Lente de câmera que não capta e então frustra quando o caderno não entende a caneta.

Papéis jogados ao chão, com estórias que não lhe pertencem, e ele enfim cái ao sono.

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