segunda-feira, 10 de setembro de 2012

D'A Prostituta

Essa história com pouca cara de terminada é, novamente, inspirada por uma postagem do Decifra-me aqui. Para ler a tal na íntegra, clique aqui.

Ela levantou-se, ainda de seios de fora, e pôs-se a sua frente, descendo o zíper às suas costas e terminando de despir-se. Deixou que o vestido caísse no chão, desabotoou as cintas-liga sem deixar de olhá-lo e então sentou-se novamente na cama para tirar as meias. Uma expressão de divertimento passava-lhe pelo rosto, possivelmente sabendo da pouca experiência do rapaz que a contratara.


Ela não quer saber de amor. Virou prostituta.

Acostumada a um mundo de bons costumes, de posturas firmes, comida farta na mesa, abraços e atenção de ambos os pais na casa com número de quartos demasiadamente maior do que o número de moradores, escolas bem-pagas e uniformes limpos e amaciados dobrados sobre a cama, por empregadas das quais nunca se importou em guardar os nomes, a menina de nome bonito, rico, como em muitos outros clichês, quis viver a vida de quem se basta com o ciclo maquear-borrar-gozar-sair.
Eu não quero falar de clichês, veja bem. Ela não pretende ser mais ou menos do que um deles. Acho mais é que ela é uma afronta ao fatalismo deles... Ela é história simples, um pouco de aforismo em carne viva. Muita carne, muito viva.

Virou prostituta e pode cobrar muito bem. Outra coisa que delicia. Sabe, menina que é acostumada a mundo farto tem a carne tenra, voz suave, pele pouco surrada. As poucas marcas que tem são charmosas e socialmente aceitáveis. O cheiro é sempre composto por uma variedade de acentos e obscuridades, doces e fortes. Um combinado suave e potente, ao mesmo tempo, duma complexidade na qual se percebe a grande quantia de dinheiro e tempo gasto na procura e aquisição dessa combinação certeira de sedução delicada. As roupas são simples e cáem delicadas no corpo também delicado da jovem. Ela é perfeita para uma namorada na cama, uma filha a ser salva, menina do cotidiano.
Ela é um prato cheio para os homens que se acham complexos. Anda na Av. Paulista, não pára nas esquinas, nas Ruas Augustas. Não precisa dividir atenção. Lança sempre notáveis olhares sedutores através das multidões aglomeradas. Se deixa seduzir sem ar de enganação e então lança seu preço. Toda a idéia dela permite das mais diversas fantasias, aos mais simples lirismos.
Ela é apaixonante, mas não apaixonável. Se olha no espelho com aquele olhar duro, mas vivo. Lacinante para si mesma, efusivo e convidativo para o resto do mundo.

Ela guarda na mente, já com certa dificuldade dada a crescente quantidade - muitos ela já pôs no caderno de clientes, com estrelinha para cobranças altas -, quantos homens fantasiaram que seriam seus salvadores. Que olharam na menina uma espécime rara a ser preservada, e que seu dinheiro, ou seu amor, ou sua força, ou qualquer outra coisa que lhe é valiosa, poderia guardá-la para sempre como boneca exposta na prateleira de bens raros. Que se viram pais de asa acolhedora para abraçá-la e protegê-la do mundo cruel que, a qualquer momento, poderia ferir sua perfeição... São esses os clientes os quais ela mais odeia; Que a chamam, pagam adiantado e, quando dentro do quarto do motel, pedem janta, alugam algum filme cult cheio de simbologias e romances, e coloridos afetivos.
Ela virou prostituta porque não quer saber de amor! Amou vez ou outra, histórias sem finais traumatizantes, daquelas quais psicólogos de mesa de bar explicariam como motivantes para a decisão que deve ser curada. Ainda tem amizade com todos os seus namorados de infância e não-tão-distante adolescência, seus rolos de uma noite só ligavam sempre para ela no dia seguinte, chamando para café, cigarro, vinho, almoço na casa dos pais, cinema-com-pipoca. Ela negava com polidez e dizia: "talvez numa outra vida!". Eles mandavam beijo e boa sorte para ela e desligavam. Nunca apagaram seu telefone da lista de contatos.
Talvez nenhum deles entenda o porquê dela não querer amor. Acho que sentem uma ferida no ego, essa impotência, e guardam a idéia dela como prêmio-mor a ser merecido. É como virar o jogo de poder e pegar a arma da mão do que te ataca. Ela é a arma, e não mais o feriria, uma vez em suas mãos.

Ninguém, ninguém mesmo, que passou na vida dela chegou a pensar na simplicidade da idéia de que ela não era problema a ser solucionado, trauma a ser superado, vítima ou número de levantamento de pesquisa. Tão distante é a idéia de que ela, somente, não quer saber de amor pois, em sua plenitude ela, por si só, se basta a si mesma.

2 comentários:

Thaís disse...

Eu curti. Mas você entendeu que no meu caso, o foco é ele e o modo como ele quis contratar os serviços, né?

FlapLop disse...

Sim, sim. Só inspiração pro meu olhar da prostituta. A gente tem perspectivas diferentes, nossas "moral da história" sempre vai ser assim diferente. acho legal.
rs