domingo, 9 de setembro de 2012

Algumas horas até amanhecer.


Vira para o lado. Olha. Ali se dispõe corpo, sem nenhuma suspeita de vividez à não ser pela densa e sonora bola de som que expande-se e ecoa pelo quarto, em ritmo quebrado, de um nariz ou qualquer outro órgão responsável por lidar com a respiração em desajuste.
O ronco! Róóónco! O adicional no produto que ela não pediu ao fabricante. Olhando ali para o corpo ao lado, traça com os dedos, alternada e apaixonadamente, o desenho de uma barba quase loira, recém-feita, que dá para uma boca que outrora ela disse gostar tanto por causa daquele desenho de sorriso que não tá ali de verdade (e lembrou-se enquanto passava os dedos, alternadamente, agora nas linhas que bordam o contraste do vermelho-rosáceo com a pele também rosácea, mas pouco mais amarelada, com tons de verde e uma pintinha marrom ali discreta!, e torna a descer e então subir, em sentido horário, e então pro outro lado, e...)
O ronco! Róóóó - cof! cof! hã-hãn! - nnco! E então ela suspira, preparando-se para o próximo que está por vir, na respiração sequelada daquele corpo com alma ou qualquer-outra-coisa retirada para o mundo dos sonhos.
Vira para o outro lado, se aconchega nas curvas que estranhamente se encaixam nas suas próprias e... Nada! Nadica de nada. O corpo permanece aparentemente morto, sem garantia de reação à qualquer força mundana, se não fosse aquele.maldito.ron....ÓÓÓÓNNNCO!

Já é outro dia no passado e, na cama redonda debaixo dum espelho desconcertante, este mesmo corpo jáz da mesma maneira ao seu lado, pouco mais distante - corpórea e românticamente -, enquanto ela, já sabida antes do ronco, não aqueeele RÓÓÓNCO, mas ron - cof! cof! nham grnahdwash... - nco, pegava o livro de dentro da bolsa, sorrateira, e o dispunha no chão em distância que pudesse adentrá-lo sem que fosse notada da ausência - corpórea e românticamente - daquela cena e daquele mundo no qual o corpo roncador perambulava livremente.

Vira para baixo, apalpa o chão procurando o livro que ali esteve num dia passado num mesmo-não-lugar. Não há, e... Ah! O róuoooncooouuuoooo! ...então respira controladamente em sintonia - falha - com a respiração -também falha - daquele ao lado. Segura a respiração quando acelera demais, corta-a quando a atrasa, e se atrapalha, claro! quando RÓÓÓnnn... Solta o ar aliviada, esse foi menor.
Vira para o outro lado novamente e dispõe as duas mãos uma em cada metade do torso ao seu lado, pensa em quanta força seria necessária para fazê-lo rolar até o chão, do outro lado (através de si mesma) da cama. Muita. Provavelmente mais do que a que pode dispender naquela hora. Contenta-se em chacoalhá-lo levemente.
Uma engasgada, e ela se arrepende. Dá um beijo para sarar. O ronco (róncoooooooaaAAARRRGGHH!!!) volta, desde o começo tolerável, com previsão de prosseguir crescendo como já disse a história. Suspira.
Que horas são?

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