sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Demônios (VIII)

VIII

Era-nos já de todo impossível reconhecer o lugar por onde andávamos, nem calcular o tempo que havia decorrido depois que estávamos juntos. Às vezes se nos afigurava que muitos e muitos anos nos separavam do último sol; outras vezes nos parecia a ambos que aquelas trevas tinham-se fechado em torno de nós apenas alguns momentos antes.
O que sentíamos bem claro era que os nossos pés cada vez mais se entranhavam no lodo, e que toda aquela umidade grossa, da lama e do ar espesso, já nos não repugnava como a princípio e dava-nos agora, ao contrário, certa satisfação volutuosa embeber-nos nela, como se por todos os nossos poros a sorvêssemos para nos alimentar.
Os sapatos foram-se-nos a pouco e pouco desfazendo, até nos abandonarem descalços completamente; e as nossas vestimentas reduziram-se a farrapos imundos. Laura estremeceu de pudor com a idéia de que em breve estaria totalmente despida e descomposta; soltou os cabelos para se abrigar com eles e pediu-me que apressássemos a viagem, a ver se alcançávamos o mar, antes que as roupas a deixassem de todo. Depois calou-se por muito tempo.
Comecei a notar que os pensamentos dela iam progressivamente rareando, tal qual sucedia aliás comigo mesmo.
Minha memória embotava-se. Afinal, já não era só a palavra falada que nos fugia; era também a palavra concebida. As luzes da nossa inteligência desmaiavam lentamente, como no céu as trêmulas estrelas que pouco a pouco se apagaram para sempre. Já não víamos; já não falávamos; íamos também deixar de pensar.
Meu Deus! era a treva que nos invadia! Era a treva, bem o sentíamos! que começava, gota a gota, a cair dentro de nós.
Só uma idéia, uma só, nos restava por fim: descobrir o mar, para pedir-lhe o termo daquela horrível agonia. Laura passou-me os braços em volta do pescoço, suplicando-me com o seu derradeiro pensamento que eu não a deixasse viver por muito tempo ainda.
E avançamos com maior coragem, na esperança de morrer.

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