segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Anagrama para amar

A L. M., dedico o grande amor por Lilitcka. Do amor que não coube em carta de amor e foi eterno enquanto abstrato. São todos os que vão, e não é vão o que foi ou o que será, de nós.
É inocente da minha parte deixar as lágrimas pelo que poderá não ser. Muito já se foi e muito  já é. Eu sei, sou uma criança dum sonho quase impossível e, sabemos, faz parte do encanto todo, isto.
O que ficou, para sempre ficará, abstrato enquanto memória, construção de bases frágeis e que, do ocaso não a morte. O porvir é ao mesmo tempo assustador e certo. Nos restam hojes.



Em lugar de uma carta

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto —
um capítulo do inferno de Krutchônikh.
Recorda —
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração — aço.-
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua .
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor, meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
— duro fardo por certo —
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos — rodopiante carnaval —
dispersarão as folhas dos meus livros…
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

26 de maio de 1916 (Petrogrado)
(Tradução: Augusto de Campos)
Neste link

Nenhum comentário: