segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A-mor

Toda fantasia vem do amor.
Todo conto vem dos romances.
Todo romance vem de fantasias.
Todas fantasias vêm do amor.

Sempre que se deitava a cama, imaginava estórias, temas, contos, teorias e ironias. Tecia as mais elaboradas estruturas das vidas, dos relacionamentos e desejos e anseios para (da) sua própria vida.
Pensava nas comédias-românticas que via na tevê (as quase 15 horas diárias de conteúdo liqüefeito na sua mente e por trás de seus olhares para e pelo mundo) e nos livros de leitura fácil que pegava das prateleiras da livraria do pai.
Sua vida era um grande playback de todas as coisas que guardava e relembrava todo o tempo destes filmes e livros. Tudo o que fazia, tudo o que pensava, tudo o que via, eram meras reproduçãoe de algo que ele já tinha visto e mastigado e processado.
Se apaixonara pela garota diferente do colégio, teve medo de palhaços, se vestiu com roupas descoladas e ainda parecia meio nerd, com aqueles óculos de lentes grossas, ouvia músicas do rádio tocarem em sua cabeça toda vez que uma garota bonita passava e sempre que tinha uma boa idéia, ouvia àquela orquestra tocando o tema de um filme de ação ou suspense, e, deixava os populares fazerem seu sucesso e roubarem suas garotas, pois aprendera nos filmes que os populares são sempre babacas e um dia ele seria reconhecido por alguém ou alguma namorada.

Ele pensava o tempo todo (n)as produção irreais da vida.
Dessa forma, era fácil esquecer o quão medíocre a vida pode ser, e o quão vazio ou comum alguém como ele poderia ser também. Dessa forma, parecer igual o fazia parecer diferente, e parecer diferente o fazia parecer igual. Assim, tão simples!
Não deixava - ou não sabia deixar - sua mente divagar. Não sonhava com personagens peculiares, seres coloridos ou de um olho só, cores que o abraçam, o atacam, piscam e se apagam ao som de um trompete lissérgico e a falta de gravidade. Não fechava os olhos para sentir a brisa do mar, o frio na barriga ou a dor de uma agulha.
Fechava os olhos pois aquele parecia o momento propício para a imagem se criar. Fechava os olhos pois naquele mesmo momento ou lugar alguém já sentira alguma dessas sensações...

Se isso é a reprodução da vida, ele a levava muito bem.
Era apenas um replay das ilusões e anseios de outros, era um filme a rodar repetidamente no vcr.

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