quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Ela disse "Adeus".


Bateu a porta às suas costas e seguiu em direção ao que seria seu transporte para uma vida nova.
Não precisava de passaporte, mas mesmo assim o levou; Uma garrafa de vinho tinto de mesa seco. O que não passou de mera conveniência, pois já estava faltando muito do que deveria tingir o vidro claro brilhante de púrpura, ou magenta (apenas alguns goles, para entreter enquanto esperava).
Nunca fora boa com cores. Mas também, nunca fora muito boa em nada, "o que é muito difícil", ela pensou, como se pode fazer o nada, e ainda pior, não ser boa nele?! Não importa, resmungou.
No caminho, sua pele cada vez mais visível, e os poros exaltados. O coração palpitante e a respiração quase nula. Sempre se esquecia dela.
Talvez fosse proposital. Sabe, dar um barato. Natural, seus pais nunca deixaram-na chegar perto das coisas boas da vida.
Sentou-se. Bebericou da boca docemente amarga do vidro quase translúcido (que seria mais, se não fossem todos aqueles outros goles daquela cor que o tingia) e deixou a garrafa rolar, enquanto soava, tinindo agudamente em seu ouvido. Ninguém ouviu.
"Adeus, ó mundo cruel!" e se seguiu uma risada. Deboche... "Para quê se levar tão à serio" em um momento tão belo quanto esse? A seriedade entedia e envelhece. Dá idade, e o que ela menos queria agora era mais disso.

Enquanto ela não sai dali, e a viagem aguarda, o calor sobe pelos pés e bunda, enquanto a música a carrega e insinua dançar com seu corpo quase inerte ali, sentado. Os joelhos tremem e o vinho, ou magenta tinge enfim sua mente.
"Vou sentir saudades", pensa em voz alta. Em voz alta pois sabe que ninguém ouvirá, mas pelo menos ouviu sair de sua própria boca.
O calor toca seus lábios, lentamente, acaricia e tira o ar. Seu corpo todo quente, sem saber se era o vinho que corria pelo sangue, se misturando lindamente com o vermelho-vivo, sem ninguém poder ver. "Poderia ter escolhido outra viagem... Seria mais poético!"
Que se dane a poesia! De morbidez já basta. Esqueceu-se de respirar. Um mergulho, e então os olhos ardiam e o vidro semi-lúcido gritava em seu ouvido, do rolar do lado de fora e estava feito! O mar, a profundidade e a liberdade, todos juntos, e ela... A luz amarela cortante vinda da superfície, dançando ao ritmo do seu próprio movimento. O movimento incessante, forte, rítmico, misturado ao tilintar púrpura da sua cabeça e o grito semi-lúcido do lado de fora que não ia embora, apesar de tudo aquilo, o mar, as ondas e o calor já não estarem mais lá. E ela mesma já não estar mais lá.
E então a luz amarela já não era mais cortante, e só o que restou foi a cegueira e o enjôo do movimento. A fraqueza e impotência e a vontade de gritar, e se sobrepôr àqueles sons que não a deixavam ir. "Preciso voltar!"
Ela sentiu saudade, e quis voltar, e nunca ter batido aquela porta. Se debateu, quebrou com aquele ritmo incessante. Abriu os olhos e sentiu arder, quente, ainda vinho e tentou alcançar aquela luz até pouco antes amarela e lembrou-se de respirar.

O movimento se acalmava, diminuindo ao modo que o vinho se esvaía, com o calor, e os poros se exaltavam novamente, dessa vez de frio, quando ela esticou o braço e parou o vidro antes púrpura. "Silêncio", pensou. Sem se preocupar em ser ouvida. Nunca estiver tão feliz em não ser boa em nada. Deu risada e respirou fundo. Levantou, reabriu (com certo esforço) a porta que antes havia batido e gritou:
"Mãe, acabou o shampu!"

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