segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um apanhador num campo

Entramos em casa.
- Não repara a bagunça, tá?
Por que que a gente sempre fala "não repara a bagunça"? Se a gente não quer que a bagunça seja reparada, seria mais fácil se não levássemos ninguém que pudesse reparar nela. Ou arrumássemos a bagunça. Não seria mais fácil se arrumássemos a bagunça?
De qualquer forma, a bagunça estava feita. Ela já tinha entrado em casa.
A bagunça estava feita.
- Tudo bem! Onde eu ponho minhas coisas? Pode ser aqui na mesa?
-Pode. Deixa eu tirar estes pratos de cima dela...
Lembrei de cenas de filmes enquanto levava os pratos para a pia da cozinha (entupida e cheia de mais louça suja, diga-se de passagem). Procurei um espaço vago para colocá-los e busquei na memória com qual cena de filme isso parecia. Essa cena já passou, eu lembro.
Eu sei o que vai acontecer daqui pra frente.
Eu podia ver o desconforto dela. Eu também estava desconfortável. Afinal, essa era minha primeira vez.
Quer dizer, tirando essa sensação de déjà vú, eu nunca tinha feito isso, e ela parecia também não saber o que fazer.
Nos sentamos. Ela estava linda, como sempre. Não precisava de muito para ela estar linda. Não era como naqueles romances bregas que a gente assiste com a irmã adolescente, meio acordado meio dormindo no sofá de casa, onde o cara, meio aveadado, descreve como a menina por quem ele supostamente está apaixonado tem os cachos se desenhando perfeitamente no entorno do rosto dela, emoldurando suas maçãs rosadas, ou algo do tipo, todo meloso e mágico. Ela estava linda porque, simplesmente, eu era apaixonado por ela. Remelenta, com os olhos inchados e vermelhos, ou descabelada como quem tinha acabado de acordar.
Enquanto a gente esperava a água esquentar para o chá, eu fiquei imaginando um cara meio louco, de roupa de gala toda desengonçada, como quem já deveria tê-las tirado faz tempo, sentado em frente a um piano, pensando em uma cena - exatamente essa cena -, criando ela na sua mente, para então escrever a peça que iria ganhar o nobel da música, tamanha genialidade, e depois todos dizendo "Oh! Que belo! Como você conseguiu criar algo tão lindo?", e ele relembrava a gente nesse exato momento, desse exato jeitinho, sentados esperando a água do chá ferver.
Devo dizer aqui que eu sou um cara que divaga muito. Eu sou capaz de ficar horas encarando um relógio de ponteiro fazendo seu "tic-tac-tic-tac-tic" rotineiro pensando nas mais diversas coisas, ou mesmo de olhos fechados na cama, sem dormir. Posso passar a noite toda, até clarear, divagando. Meus professores dizem que isso é dificuldade de concentração e até deram um nome, mas eu não consegui guardar por muito tempo.
A esse momento, ela já estava nervosa. Sacudia o pé pra cima e pra baixo, com a perna que cruzava por cima da outra, sentada na cadeira, e passava o dedo no desenho da toalha de mesa incessantemente. Quando reparei, na minha afobação de dizer algo, alguma coisa, qualquer coisa, balbuciei algumas vogais sem sentido. Quase faltou limpar a baba escorrendo do canto da boca.
- "Ã... Ã, é, ô..."
Humpf, patético. Serviu só para ela pausar o riscar de seus dedos, levantar o olhar da toalha da mesa e me fazer uma careta, como quem quer entender alguma coisa estranha demais.
Estranha... A gente se conhece há seis anos, pô. Seis! Não é qualquer coisa. Muito pelo contrário, é muita coisa! E há pelo menos três a gente não consegue fazer outra coisa senão se atracar feito dois macacos no fim do mundo noite adentro e fumar como se não tivéssemos pulmões no resto de escuridão até que um de nós precise ir trabalhar ou ir pra uma festa de família e outro compromisso idiota do tipo.
- A água já deve ter fervido.
- É. É. Você prefere mate, erva-doce...?
- Deixa. Não vou conseguir.
"Puta que o pariu." Era só o que eu conseguia pensar. Puta que o pariu, puta que o pariu!
Deixei.
- Volta pra sua casa, vai. Também não tava gostando desse silêncio todo.

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