"É verdade que o mundo
tornou-se insensível às tragédias
humanas. A distância entre nosso Eu anestesiado pela avalanche de informações,
pelo consumismo e pelo comodismo e aquele Outro que sofre exclusão, fome e
miséria funciona como um escudo que protege nossa sensibilidade da dor por algo
que julgamos fora do nosso alcance resolver. Até certo ponto, isto é um
mecanismo de defesa da Vida, porque ela quer viver apesar de tudo o que
conspira contra ela. Contudo, há coisas cuja magnitude provoca a penetração
para além desse escudo e, se ainda nos resta alguma sensibilidade, exige uma
tomada de posição. Porque se o nosso egoísmo nos impede desta tomada de
posição, nos impede também de ter dignidade, considerada por Kant como o
diferencial dos seres humanos face às outras espécies animais." (Marta
Guerra, Jornalista. Tolerar o intolerável é tornar-se cúmplice)
E sem me apegar a moralismos e valores, máscaras e falso
puritanismo. Não sou virgem maria, nem vou pro céu, se quando eu morrer ainda
houverem tantas condições para ser aceita ali.
Eu cheguei a invejar e sentir raiva, quando via meninas
passeando tranquilamente, semi-nuas, bêbadas ou sem erguer o olhar para os
rostos que vêm a cruzá-las por aí. "Essas meninas ingênuas..." ou
"essas sortudas...".
Elas não passam pela paranoia constante, pela montanha-russa
de sensações e a agressividade a qual me forço a sentir para o caso de algo vir
a acontecer.
Meninas que não percebem os olhares famintos na pista da
balada, o roçar de membros estranhos é sempre acidental, o banho de sol não as
faz se sentir exibicionistas em uma praia de voyeurs.
Eu troco de lugar com elas quando um velho no samba brinca
com o homem mais próximo, que vai passar a mão na bunda delas. Eu viro as
costas e dou leves cotoveladas. Fecho o círculo e empurro delicadamente. Não
quero estragar o rolê, então me contenho. Mas o incômodo nunca passa.
Eu devo me entregar a ignorância forçada, proposital? Devo
fingir que não percebo e ser complacente, indiretamente me cumplicizar de todos
os ataques a todas as mulheres?
O mundo já é hipócrita demais. Eu já sou hipócrita demais...
Um comentário:
Que foda, Flá... me pôs a pensar...
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