VIII
Era-nos
já de todo impossível reconhecer o lugar por onde andávamos,
nem calcular o tempo que havia decorrido depois que estávamos juntos. Às
vezes se nos afigurava que muitos e muitos anos nos separavam do último
sol; outras vezes nos parecia a ambos que aquelas trevas tinham-se fechado em
torno de nós apenas alguns momentos antes.
O que
sentíamos bem claro era que os nossos pés cada vez mais se entranhavam
no lodo, e que toda aquela umidade grossa, da lama e do ar espesso, já
nos não repugnava como a princípio e dava-nos agora, ao contrário,
certa satisfação volutuosa embeber-nos nela, como se por todos os
nossos poros a sorvêssemos para nos alimentar.
Os
sapatos foram-se-nos a pouco e pouco desfazendo, até nos abandonarem descalços
completamente; e as nossas vestimentas reduziram-se a farrapos imundos. Laura
estremeceu de pudor com a idéia de que em breve estaria totalmente despida
e descomposta; soltou os cabelos para se abrigar com eles e pediu-me que apressássemos
a viagem, a ver se alcançávamos o mar, antes que as roupas a deixassem
de todo. Depois calou-se por muito tempo.
Comecei a notar
que os pensamentos dela iam progressivamente rareando, tal qual sucedia aliás
comigo mesmo.
Minha memória embotava-se. Afinal,
já não era só a palavra falada que nos fugia; era também
a palavra concebida. As luzes da nossa inteligência desmaiavam lentamente,
como no céu as trêmulas estrelas que pouco a pouco se apagaram para
sempre. Já não víamos; já não falávamos;
íamos também deixar de pensar.
Meu Deus! era
a treva que nos invadia! Era a treva, bem o sentíamos! que começava,
gota a gota, a cair dentro de nós.
Só uma
idéia, uma só, nos restava por fim: descobrir o mar, para pedir-lhe
o termo daquela horrível agonia. Laura passou-me os braços em volta
do pescoço, suplicando-me com o seu derradeiro pensamento que eu não
a deixasse viver por muito tempo ainda.
E avançamos
com maior coragem, na esperança de morrer.
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