XII
Quietos e abraçados
na nossa silenciosa felicidade, bebendo longamente aquela inabalável noite,
em cujo ventre dormiam mortas as estrelas, que nós dantes tantas vezes
contemplávamos embevecidos e amorosos, crescemos juntos e juntos estendemos
os nossos ramos e as nossas raízes, não sei por quanto tempo.
Não
sei também se demos flor ou se demos frutos; tenho apenas consciência
de que depois, muito depois, uma nova imobilidade, ainda mais profunda, veio enrijar-nos
de todo. E sei que as nossas fibras e os nossos tecidos endureceram a ponto de
cortar a circulação dos fluidos que nos nutriam; e que o nosso polposo
âmago e a nossa medula se foi alcalinando, até de todo se converter
em grés siliciosa e calcária; e que afinal fomos perdendo gradualmente
a natureza de matéria orgânica para assumirmos os caracteres do mineral.
Nossos
gigantescos membros agora completamente desprovidos da sua folhagem, contraíram-se
hirtos, sufocando os nossos poros; e nós dois, sempre abraçados,
nos inteiriçamos numa só mole informe, sonora e maciça, onde
as nossas veias primitivas, já secas e tolhidas, formavam sulcos ferruginosos,
feitos como que do nosso velho sangue petrificado.
E, século
a século, a sensibilidade foi-se-nos perdendo numa sombria indiferença
de rocha. E, século a século, fomos de grés, de cisto, ao
supremo estado de cristalização.
E vivemos,
vivemos, e vivemos, até que a lama que nos cercava principiou a dissolver-se
numa substância líquida, que tendia a fazer-se gasosa e a desagregar-se,
perdendo o seu centro de equilíbrio; uma gaseificação geral,
como devia ter sido antes do primeiro matrimônio entre as duas primeiras
moléculas que se encontraram e se uniram e se fecundaram, para começar
a interminável cadeia da vida, desde o ar atmosférico até
ao sílex, desde o eozoon até ao bípede.
E
oscilamos indolentemente naquele oceano fluido.
Mas, por
fim, sentimos faltar-nos o apoio, e resvalamos no vácuo, e precipitamo-nos
pelo éter.
E, abraçados a princípio,
soltamo-nos depois e começamos a percorrer o firmamento, girando em volta
um do outro, como um casal de estrelas errantes e amorosas, que vão espaço
a fora em busca do ideal.
Ora fica aí leitor paciente,
nessa dúzia de capítulos desenxabidos, o que eu, naquela maldita
noite de insônia, escrevi no meu quarto de rapaz solteiro, esperando que
Sua Alteza, o Sol, se dignasse de abrir a sua audiência matutina com os
pássaros e com as flores.
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