E
comecei a bater-lhe na palma das mãos, a soprar-lhe os olhos, a agitar-lhe
o corpo entre meus braços, procurando chamá-la à vida.
E
não haver uma luz! E eu não poder articular palavra! E não
dispor de recurso algum para lhe poupar ao menos o sobressalto que a esperava
quando recuperasse os sentidos! Que ansiedade! Que terrível tormento!
E,
com ela recolhida ao colo, assim prostrada e muda, continuei a murmurar-lhe ao
ouvido as palavras mais doces que toda a minha ternura conseguia descobrir nos
segredos do meu pobre amor.
Ela começou a reanimar-se;
seu corpo foi a pouco e pouco recuperando o calor perdido.
Seus
lábios entreabriram-se já, respirando de leve.
-
Laura! Laura!
Afinal senti as suas pestanas
roçarem-me na face. Ela abria os olhos.
- Laura!
Não
me respondeu de nenhum modo, nem tampouco se mostrou sobressaltada com a minha
presença. Parecia sonâmbula, indiferente à escuridão.
-
Laura! minha Laura!
Aproximei os lábios de seus lábios
ainda frios, e senti um murmúrio suave e medroso exprimir o meu nome.
Oh!
ninguém, ninguém pode calcular a comoção que se apossou
de mim! Todo aquele tenebroso inferno por um instante se alegrou e sorriu.
E,
nesse transporte de todo o meu ser, não entrava, todavia, o menor contingente
dos sentidos. Nesse momento todo eu pertencia a um delicioso estado místico,
alheio completamente à vida animal. Era como se me transportasse para outro
mundo, reduzido a uma essência ideal e indissolúvel, feita de amor
e bem-aventurança. Compreendi então esse vôo etéreo
de duas almas aladas na mesma fé, deslizando juntas pelo espaço
em busca do paraíso. Senti a terra mesquinha para nós, tão
grandes e tão alevantados no nosso sentimento. Compreendi a divinal e suprema
volúpia do noivado de dois espíritos que se unem para sempre.
-
Minha Laura! Minha Laura!
Ela passou-me os braços
em volta do pescoço e trêmula uniu sua boca à minha, para
dizer que tinha sede.
Lembrei-me da bilha d'água.
Ergui-me e fui, às apalpadelas buscá-la onde estava.
Depois
de beber, Laura perguntou-me se a luz e o som nunca mais voltariam. Respondi vagamente,
sem compreender como podia ser que ela se não assustava naquelas trevas
e não me repelia do seu leito de donzela.
Era bem
estranho o nosso modo de conversar. Não falávamos, apenas
movíamos com os lábios. Havia um mistério de sugestão
no comércio das nossas idéias; tanto que, para nos entendermos melhor,
precisávamos às vezes unir as cabeças, fronte com fronte.
E
semelhante processo de dialogar em silêncio fatigava-nos, a ambos, em extremo.
Eu sentia distintamente, com a testa colada à testa de Laura, o esforço
que ela fazia para compreender bem o meu pensamento.
E interrogamos
um ao outro, ao mesmo tempo, o que seria então de nós, perdidos
e abandonados no meio daquele tenebroso campo de mortos? Como poderíamos
sobreviver a todos os nossos semelhantes?...
Emudecemos
por longo espaço, de mãos dadas e com as frontes unidas.
Resolvemos
morrer juntos.
Sim! Era tudo que nos restava! Mas, de que
modo realizar esse intento?... Que morte descobriríamos capaz de arrebatar-nos
aos dois de uma só vez?...
Calamo-nos de novo, ajustando
melhor as frontes cada qual mais absorto pela mesma preocupação.
Ela,
por fim lembrou o mar. Sairíamos juntos à procura dele, e abraçados
pereceríamos no fundo das águas. Ajoelhou-se e rezou, pedindo a
Deus por toda aquela humanidade que partira antes de nós; depois ergueu-se,
passou-me o braço na cintura, e começamos juntos a tatear a escuridão,
dispostos a cumprir o nosso derradeiro voto.
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