VIII.
O que ela só sabe ser
Eu
já disse o quão bonita ela é. Poderia dar detalhes estéticos apurados e
analisar a forma como ela aparece no mundo; seus trejeitos, a forma como anda,
senta, move-se, a maneira como tem em seus cabelos loiros e repicados por
minhas mãos, em ondulações alucinantes, toda sua feminilidade freudiana, o
jeito que geme quando se espreguiça e o som de sua voz quando se propõe a pedir
que faças algo por ela. Não chegaria a ilustrá-la de forma minimamente justa.
Sua
mãe contava-lhe uma fábula sobre duas borboletas. Uma era amarelinha e pálida,
frustrada em sua aparência franzina. A outra, ah! A outra era duma gama de
cores extravagante, frascária, digna da fascinação de qualquer um que em sua
presença.
Gabava-se
a borboleta colorida à amarela, que se via farta de inveja e auto-comiseração
de toda a sua ordinedariedade perante a borboleta estrambótica.
Então
um dia parece uma lagartixa faminta e, enxergando somente a borboleta colorida,
abocanha-lhe a vida num golpe, encerrando toda sua estróina existência,
deixando de lado, ali, imperceptível, a borboletinha de cor tão vulgar.
Acontece
que essa estúpida fábula deixa passar que, na complexidade que os sentimentos
podem ter, os resultado podem ser tantos outros, para além da justiça irônica e
divina em que as borboletas foram postas.
Vejam
que a vaidade da borboleta colorida poderia, por exemplo, ter-lhe garantido um
exército de admiradores fanáticos, que, mais fortes ou simplesmente em maior
quantidade que a famélica lagartixa, poderiam facilmente salvá-la de seu fim
trágico. E que, não podendo a pobrezinha comer a tão atrativa e protegida
borboleta, desviaria-se a atenção para a vulgarzinha mais próxima, acabando com
toda a moral dessa fantástica estória de merda.
E,
se na falta de admiradores que pudesse acumular em sua órbita, a borboletinha
putativa poderia talvez então confiar
que a sua similar amarelo-vulgar, tomada pelo sentimento de admiração que
costumeiramente precede a inveja - afinal é preciso reconhecer o extraordinário
para então invejá-lo -, tomaria alguma atitude a fim de poupar o extermínio
daquela bela desgraçada.
Talvez
até se enfie em brigas entre machos embebecidos de seu doce sabor e, quem sabe
até venha a se perceber, já sem escolha, frente a um predador fora-de-si que
risca um enorme facão no chão, criando fagulhas de poder testosteronado e
avança matador em direção à borboletinha idiotamente no caminho da coloridinha
linda que, por sua vez, cheia de cautela consigo mesma (coisa cuja borboleta
amarela não conhece, afinal, quem gostaria de preservar tamanha
ordinariedade?), se resumiria a olhar o trágico rolar de corpos na terra,
enquanto se quebra - talvez se trinca uma tíbia - toda a burra da amarelinha
que quis não ser passiva nessa sua vida medíocre a que foi agraciada.
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