Em 1969 uma suíça elaborou uma tese para os estágios do
luto, ou “perspectiva da morte”. Esse modelo de caminho, que pode não ser ordenado
ou progressivo, foi dissolvido de maneira que hoje usamos para tratar de todo
processo de perda ou mudança. Consiste em 1) negação, 2) revolta, 3) barganha,
4) depressão e 5)aceitação.
Eu lembro de ter colocado lá em 2014 um texto sobre a
primeira vez que eu virei as costas praquele amor-não-amor que foi também o meu
primeiro. Acreditava que estava na revolta (2). Pela lógica, se os estágios fossem
categorias separadas entre si, estaria eu passando pelo meu primeiro estágio e
que, mesmo sem nenhum empurrão auxiliar, somente com a ação do tempo, se
encerraria para dar espaço para os passos seguintes até que se culminasse enfim
na aceitação, como um estado perfeito etéreo e, para todos os efeitos, enfim estéril.
Acontece que eu, vez e outra, percebo que há uma natureza (natureza?)
não linear no modus operandis humano, logo social. Natureza social, eu acabo
concluindo (hehe). Que seja em seu desenvolvimento geral, no sentido econômico,
político, social, cultural – o homem que não conhece a história está fadado a
repetí-la, e a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como
farsa; mas talvez sim, eu mudo de idéia, pensando no período político cultural
onde me encontro (primeiramente fora Dilma, fora Temer, volta Dilma, fora Haddad,
Haddad prefeito gato, fora Dória que faz o mesmo que Haddad, volta Haddad) –
ou, enfim, no desenvolvimento particular e pessoal.
Mas, reside na aceitação a queixa que quero fazer hoje. Seja
no âmbito geral de uma sociedade, seja nas idéias pseudosubjetivas do
indivíduo, seja na minha vida particular, o período de aceitação nunca me
parece um estado puro como se supõe ser. Um período de encerramento. Um período
onde se resigna sobre o que está fora de nosso poder. Talvez porque no fundo se
acredite que não há nada que não esteja em nosso poder – de maneira dinâmica e
complexa, até mesmo paradoxal com a idéia de impotência geral do ser humano e
individual – ou mesmo nada que não possa se dobrar a nossa vontade.
Talvez também porque a aceitação não seja exatamente uma coisa
que possa ser pura e inflexível, carrança. Mas que a aceitação seja moldável ao
espírito, seja da época, seja do tal indivíduo não muito individual. Um estágio
de aceitação poderia então estar embebido de comiseração, ou mesmo, junto da depressão,
um reforço do sofrimento para um retorno aos ciclos de negação, revolta, etc.
Este modelo só existe associado a um princípio da autonomia e ou
autossuficiencia. É preciso se ser sincero além de consciente, sem um e ou sem
outro, fica impossível afirmar que se é possível negar, revoltar, barganhar, e
então aceitar, seja qual for a ordem.
É possível, assim, que eu aceite um estado ao mesmo tempo
que não. É possível que eu tenha sapiência dele, e da minha impotência perante
a ele. É possível estar resignada e revoltado, é possível eu entender onde
estou e não estar plena, mas concupiscente de outro estado, de outra condição.
É possível se ser existencialista, cínica, reminiscente, niilista, realista,
tudo junto num Frankenstein impossível e real.
É possível, então, que eu estivesse há três anos atrás em
estado de revolta, e depois tenha, entre trocar cartas, passado a barganhar
(3), me deprimir (4) e aceitar (5), para então me ver trocando novas cartas
onde transpareço todo o meu eriçamento para com a inacreditável idéia de que
este amor-não-amor-super-amor-sempre-foi-e-sempre-será-amor poderia ser reaceso.
Para então estar novamente em estado depressivo conseqüente da sapiência da
condição de morte e em negação para criar seu renascimento...
Não sou capaz de destrinchar porquês, podem ser tantos!
Destrinchar porquês nunca me deu resolução, resiliência, aceitação, tranqüilidade,
superação nenhuma. Sou capaz de me olhar, me reler, e notar a constante
incapacidade de passar progressivamente por estágios de perda e fim, e saltitar
de emoção com a repetição de tantas histórias, tragédias e falsidades, conhecendo
ou não seu ou meu passado, para retornar variante entre todos os estágios
supostamente transcorridos e superados.
Devo ser uma revolucionária reacionária. Uma contradição consciente
de sua impossibilidade. Um dilema hegeliano maluco.
Dos estágios do luto eu estou naquele que não fala nem Kübler-Ross, nem Nietzsche, que é a
expectativa do eterno retorno romântico. Ao passo que matamos Ele, esse romance
– pra não chamar de amor-não-amor-que-quero-eterno-vir-a-ser –, a quantidade de
vezes que ele pode se repetir, apesar de limitada, pelo tempo que, pelo menos
vivemos (ou seja, no caso, um tempo também finito, pelo menos deste modo, e
infinito se de todos os outros modos que virão a ser, inclusive se repetindo
igualmente), é a quantidade de vezes em que se pode combinar todas as
condicionantes e variáveis para sua existência. Ou seja, a morte somente é o
ritornello de onde se recombina e revive, independente da ordem em que o luto
está. Todo nós está morto e eternamente vivo até que se prove o contrário!
Você pode entender aí, então, estes períodos de aceitação e
luto nunca serem estáticos, categóricos, nem se findarem também?
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